Prima-dona

Tela: Sunrise on Mount Tacoma
- 19th century - Albert Bierstadt

Porque arrisca o espetáculo
sair de cena em hora errada,
recebe sempre um ultimato
diariamente a Madrugada
para, enfim, pôr-se de lado
e dar a vez à Alvorada.

O enigma

Tela: Sunset on the Coast (between 1865 and 1866),
Albert Bierstadt

Aquele que não compreende
rotação e outras façanhas
se pergunta ingenuamente
o que faz atrás da montanha
a luz que rumou pro poente.

Insegura

Foto de Dietmar Rabich

Basta uma olhada cuidadosa
e toda uma opinião muda:
quem julga a chama vigorosa
não nota a vela que tremula.

Ao poente 2

Tela: Rentierjagd im hohen Norden (1859), Georg Saal

Quem bem cedo desponta
cheio de intensidade
vendo-se em alta conta
- nunca deixado à parte -
sem segurar as pontas
mais à frente se abate
cedendo vez à sombra
justo no fim de tarde.

Fotofobia

Tela: Am Morgen (1931), Georg Schrimpf

Por detrás das cortinas, gente reclusa
do calor e da luz se põe a fugir.
Sem que se abata com tamanha recusa
(embora à tardinha vá se retrair,
virando uma estrela fraquinha e miúda)
o Sol, toda manhã, volta a insistir.

A síncope

Foto de Karen Arnold

Na natureza, sempre o mesmo enredo
envolve o vento e o dente-de-leão:
basta o primeiro soprar um segredo
pro outro, em choque, cair no chão.

Os matizes

Foto de Zanellenha

De manhã, por ninguém são vistas
as nuances que tem, a tarde -
mas sobretudo o fim do dia
exibe mais variedade.

Caso alguém, a noite, avalia
ter uma só tonalidade,
ignora o zelo do Artista
que pôs estrela em toda parte.

Sobre a Lua 2

Tela: "Ryde - Moonrise" (Isle of Wight)
- 1908 - A. Heaton Cooper

No mar ela vai colocando
seu braço em forma de luar
sem se refrear, ponderando
que é veleidade se agarrar
àquele que vive hesitando.

Obscuridades

Tela: Melancholy (1801), Constance Marie Charpentier

Pensamentos obscuros
anuviam a razão
levando seres argutos
a sentir tanta aflição
quanto insetos diminutos
ante a sombra sobre o chão.

As migalhas

Tela: L'Ange du soir veillant sur une ville
(The Evening Angel) - 1848 - Alexandre Cabanel

Alguns preferem a claridade,
outros se fartam na escuridão.
Há os que apenas o fim de tarde
concede alguma satisfação -
quando a luz perde a intensidade
e o breu tem bem pouca exposição,
dos dois vindo reduzidas partes
que Deus coloca à disposição.

Amanhecer

Tela: One Hundred Views of Naniwa (1854-1860)

Grande mal-entendido há
comprometendo a natureza:
a manhã, que tanta luz dá
e inspira tamanha nobreza,
devia é ter fama de má
dado que usurpa as estrelas.

Termos

Tela: Florida Sunset: A Study (1885), Martin Johnson Heade

O que em alta conta se tinha
perdeu, uma hora, a regalia
de uma mínima cortesia.

A estrela no pino do dia
não foge à regra e se definha
dali pra frente - à noitinha.

Focada

Foto de devansh Choudhary

A vida da formiga é plena
de atividades tão intensas
que segue veloz, mas serena
mesmo ante uma triste cena
como numa tarde amena
das patas até as antenas
pela passante desatenta
ser pisada sem qualquer pena.

A meia-estação

Tela: Spring (1900-02), John La Farge

Ainda que tanto embeleze
nunca se inclina, a natureza
de nas suas mãos apertar
o que em todo canto viceja,
porém de raízes carece
e o verão sempre há de levar.

Múltipla

Tela: A Southern Landscape with Palms in the Evening Light
(1878), Joseph Firmenich

Ante todos, a paisagem
revela a diversidade
de sua personalidade:
se uma é cheia de vontade
de ter luminosidade
e faz desta divindade
de manhã ao fim de tarde;
há então a outra face
que à noitinha chega à margem
e com o breu faz amizade,
deixando a claridade
sem um pingo de saudade.

O bolero

Tela: The West Wind (1916-17), Tom Thomson

Afobada, a ventania
tira o galho pra dançar
uma coreografia
difícil de acompanhar
logo que se principia
até a hora de parar.

Mais jeitosa é a brisa
que com o ramo forma um par:
tão grande é a sintonia
que alguém pode jurar
que pra ele, ela dizia
"Dois pra cá e dois pra lá".