Foto de Petr Kratochvil |
Evangelho Segundo São Mateus (Mt 6, 24) |
Um dos trechos mais famosos da Bíblia está em seu último livro, o Apocalipse: "Conheço as tuas obras; não és nem frio nem quente. Oxalá fosses frio ou quente! Mas como és morno, nem frio nem quente, vou vomitar-te". Como essa passagem vem de encontro ao que Jesus ensinou!
Nos três evangelhos - segundo São Mateus, São Marcos e São Lucas -, Cristo nos ordena a ter sabor, quando nos chama de sal da terra. E alerta: se ele (o sal) se torna insípido, ou seja: se perde o sabor, não serve para nada.
Uma das maneiras de ser morno ou sem sal está em servir a dois senhores: a Deus e ao luxo, ao dinheiro.
Seria fácil apontar o dedo. E exemplos, infelizmente, não faltam.
Existem até mesmo sacerdotes mornos, que abrem a boca pra falar de Deus, mas levam uma vida longe da simplicidade que uma vez prometeram, ao fazerem o voto de pobreza. Mas, e quanto a nós, leigos?
Noutro dia, li uma reportagem de 2016 da revista VEJA intitulada "Os católicos ricos de São Paulo".
A matéria começa assim:
"Feriado de 9 de julho, 6 da manhã. Um carrão de 250.000 reais sai de um prédio de alto padrão no [bairro] Itaim Bibi e é prontamente seguido por três outros veículos de luxo. (...) Rumam para a comunidade católica Canção Nova, no município de Cachoeira Paulista, a 195 quilômetros de São Paulo, no Vale do Paraíba".
O texto continua:
"O grupo foi recebido num dos espaços nobres: a casa de um dos sócios-fundadores da comunidade, que fica no limite entre a Canção Nova e um condomínio de luxo vizinho".
Mais adiante:
"A comitiva recebe pulseirinhas e credenciais que dão acesso a 120 poltronas localizadas nas laterais do palco. São assentos acolchoados, mais confortáveis que o cimento das arquibancadas e as cadeiras de plástico da plateia. Na prática, um espaço vip, mas que em nenhum momento é tratado por esse nome".
Eu já fui sócia da Canção Nova (parei de contribuir financeiramente em 2018) e não sabia que essa comunidade dava tratamento especial para pessoas endinheiradas. Enfim...
A reportagem relata que, no grupo de católicos ricos, havia uma juíza vestindo "calça Armani, blusa e tênis Dior".
Se tu, internauta, desconhece, explico: Armani e Dior são marcas de luxo europeias.
O texto jornalístico termina com a fala de uma das ricaças, ao regressar de Cachoeira Paulista para a capital: "Cheguei a São Paulo feliz como só me sinto, quando me dedico a Deus...".
Terminei de ler a matéria da revista VEJA me lembrando das palavras do saudoso Padre Léo, que dizia numa pregação na mesma Canção Nova: "Se você dá milhares de reais numa bolsa de grife, em vez de dar esse dinheiro aos pobres, saiba que está incorrendo num pecado mortal!".
Talvez não tenhamos tanto dinheiro quanto o grupo de católicos ricos que visitaram a Canção Nova, mas cabe a pergunta: até que ponto também não estamos divididos? Será que (dentro das nossas possibilidades) também não estamos ajuntando tesouros na terra, em vez de tesouros no céu?
Para termos sabor e não sermos mornos, para não sermos "vomitados", o melhor é repartirmos o que temos com os pobres e só então seguir Jesus. Isso sim, ricaços ou não, é dedicar-se a Deus.