Tela: Bahnhof Davos (1925), Ernst Ludwig Kirchner |
Há mais poesia
no caule áspero
das árvores -
disso, tenho certeza.
Mas me criei
no concreto armado:
hei de achar
a beleza aqui.
Beleza
no muro crispado,
que me esbarrava
na infância,
lanhando ombros
e braços.
Beleza
na água suja,
que escorre brilhante
entre o passeio
e o asfalto.
Também
nas britas
que rolam
no chão.
No desnível,
nos buracos,
nas pinturas
que descascam.
Até no carro
que espera outro
converter,
pra poder seguir.
E no ônibus azul
que freia lentamente,
pra passageira
subir.
E nos fios pretos
nos postes,
em que pousam
cadarços, pipas
e pássaros.
E no ar
com cheiro forte
de ferro,
de diesel,
de enxofre.
No meu passo pesado,
pra tomar rumo
de casa
e me lustrar,
proteger,
ir dormir.
Tela: Artistin (Marzella) - 1910 - Ernst Ludwig Kirchner |