Tela: Un dimanche (1888-90), Paul Signac |
Incrível como nossa casa
é cheia
de visitantes indesejáveis.
Pela janela que abri
- só pra me refrescar -
me entra um inseto
preto, com
asas girando feito beija-flor,
mas lento como besouro.
Fiquei à espreita,
pra ver se não achava
graça por aqui
e cascasse fora.
Ou eu pisquei,
ou me distraí,
ou ele não saiu.
E ainda está
por aí:
na prateleira mais
alta da estante branca,
atrás do sofá marrom,
voando rasante
sob o carrinho azul-
marinho,
percorrendo (penetra-
itinerante)
os cômodos vários
e sóbrios
do nosso recanto.
Hei de rever o
inseto estranho?
Outros que vêm (e não vão)
são os pelos
amarelos
das mantas novas
do sofá marrom.
Por mais que os
escorrace
com a vassoura
e a pá, firmes
eles retornam!
São pelos-
dançantes
que rolam
nada tímidos
pelos tacos cor de
caramelo do chão.
Bate o vento,
cambalhotam,
dão passinho complicado
de tango. Juro:
dá pra ouvir o Piazzolla.
O inseto preto,
os pelos amarelos.
E eu que achei que
em casa alheia
só se entra
sem ser convidado
à força de mandado.
Na prática,
a coisa é outra.
Na prática,
por mais que queira,
nunca estou só.
Aqui,
Deus e eu
temos sempre companhia:
inseto sem teia, pelos que bailam
e quem mais chegar...
Tela de 1817 by Caspar David Friedrich |