26 de novembro de 2024

O custo de não se estar sóbrio

Tela: Cabeça de São João Batista (1644), Jusepe de Ribera

Não é só o álcool que tira alguém do eixo. Alguns sentimentos também. Na literatura, temos ao menos dois exemplos: o comandante militar Otelo que, transtornado de ciúmes de sua esposa Desdêmona, acaba matando-a e o tetrarca Herodes Antipas que, afetado pela atração que nutria pela filha de Herodíades, sua mulher, manda decapitar o profeta João Batista. Nos dois casos, faltou sobriedade.

A ironia na história da execução do Batista é que quem "perdeu a cabeça" foi o tetrarca. O profeta foi decapitado justamente porque tinha a sua no devido lugar: voltada para sua missão de preparar o caminho do Senhor, conclamando todos ao arrependimento, já que o Reino dos Céus estava próximo. Seu destino - como o de outros profetas que denunciam as mazelas do mundo - era a morte. Cortarem-lhe a cabeça foi significativo, pois quem o reprovava queria o quê? Que mudasse de ideia! Contudo, nos pensamentos, ninguém manda - apenas o dono deles.

O martírio de João Batista antecipa tantos que o sucederam... Como o de Santo Oscar Romero.

Vivendo no contexto violento de seu país, El Salvador, o arcebispo escolheu não só ficar ao lado dos pobres, como denunciar a miséria em que viviam, os desaparecimentos políticos, as torturas e os assassinatos. Dom Oscar Romero levantou a sua voz inclusive contra o governo dos Estados Unidos, que fornecia armas que matavam a população. Em uma homilia, ordenou: "... Em nome de Deus e deste povo que sofre há muito tempo, cujo grito sobe cada vez mais alto aos céus, eu lhes imploro, lhes rogo, em nome de Deus, para cessar a repressão!". No dia seguinte, foi assassinado.

João Batista tinha o mesmo ardor acusatório. Xingou fariseus e saduceus de raça de cobras venenosas, instando-os a produzir fruto que comprovasse o seu arrependimento, e denunciou Herodes Antipas, a quem disse que não era permitido estar com Herodíades, esposa de seu irmão. Depois da execução do profeta, o tetrarca ficou triste. E assombrado: cismou que Jesus era o Batista ressuscitado. Sim: o tormento é reservado aos que não estão sóbrios. Otelo, quando caiu em si, suicidou-se. A arte, que reflete a vida, mostra por A mais B que é bem caro o custo de se afogar em maus sentimentos.

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Atribuição: Ana Paula Camargo (acatolica.blogspot.com).
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