Imagem: Jesus cura o possesso de Gerasa Fonte: Biblical illustrations by Jim Padgett (1984) |
Numa cena do filme "Entre Dois Amores" (Out of Africa, em inglês), o caçador Denys desafia a fazendeira Karen a fazer um poema sobre algo meio esquecido na literatura: os pés. Ela o faz graciosamente. Fico me perguntando se o poeta Mário Quintana também não teria sido desafiado a escrever sobre um tema igualmente raro: um enfermo. Pois seus versos sobre um menininho doente estão entre as mais lindas criações da poesia brasileira. Jesus era exatamente assim: como Denys, Karen e Quintana, sensível a tudo aquilo que é preterido, deixado de lado.
Os evangelhos narram que Ele percorria todas as cidades e vilarejos, pregando sobre o Reino dos Céus e curando todos os doentes. Via-os e enchia-Se de compaixão. Quando enviou em missão Seus doze discípulos, instruiu-os a anunciar a proximidade do Reino dos Céus e a curar enfermos, ressuscitar mortos, purificar leprosos e expulsar demônios. Quando João Batista mandou-Lhe seus próprios discípulos, para perguntar a Jesus se Ele era "aquele que devia vir", respondeu-lhes: "Vão e contem a João as coisas que vocês estão ouvindo e vendo: cegos recuperam a vista e coxos andam; leprosos são purificados e surdos ouvem, mortos são ressuscitados e pobres recebem a Boa Notícia...".
Se, como é notório, Jesus circulava nas periferias, natural que Se encontrasse justamente com os marginalizados, aqueles tratados com desdém pelas elites. Era essa a condição dos doentes, já que as enfermidades, naqueles tempos, eram vistas como punição por pecados cometidos pelos próprios doentes ou pelos seus pais. Além da doença, portanto, lidavam com o estigma. Curando-os, Jesus devolvia-lhes a dignidade. Pregando-lhes o evangelho do Reino, dava-lhes a opção de também serem trabalhadores na colheita do Senhor.
Foi isso o que aconteceu com o possesso de Gerasa que, após haver sido libertado de uma "legião" de demônios, foi instruído a voltar para casa e relatar o que Deus lhe fez: "E o homem foi pela cidade toda, proclamando tudo o que Jesus havia feito por ele". (Fico fantasiando: se Jesus tivesse cruzado o caminho do menininho doente do poema de Quintana, nosso coração não ficaria tão apertado, ao ler nos versos que a criança ficava numa janela, impotente, vendo os outros meninos irem à escola...)