Tela: Lunia Czechowska with her left hand on her cheek (1918), Amedeo Modigliani |
Meu ouvido coça
às vezes.
Em vão aliviar
com ponta do indicador -
parto pra cotonete.
Aperto a haste azul,
roço o algodão
bem no ponto que pinica.
(Gostoso.)
Li que ouvido e garganta
se ligam.
Talvez me coce a boca,
em vez da orelha. Talvez.
Resolve tocar
no ouvido.
Como se lhe fizesse
um carinho,
pelo que sofre
de noite, de dia.
Meu ouvido escuta
o que não merece:
torpezas, vilanias.
Não há Chopin
que desoprima.
Eu devia seguir Pinóquio:
ter um grilo
ao pé do ouvido,
pra me soprar
canção amiga;
pra me beijar
ossinhos que vibram;
pra me passar
qualquer esperança
e valer a vida.
Apesar dos ruídos,
do que entra pelo ouvido,
e não sai pelo outro.
Tudo o que fica, espeta.
E causa dor.
Tela: Woman with Black Cravat (Sem Data), Amedeo Modigliani (1884-1920) |