Tela: Supper at Emmaus (Detail) - cerca de 1538 - Jacopo Bassano |
Há vários modos
de sentir o mundo.
O meu
é na casca do ovo.
Mole por dentro,
dura por fora,
assisto à vida
se desdobrar
como os rolos imensos
de tecido,
que mamãe escolhia
na Casa Rolla.
Aqui,
a temperatura varia:
no frio, tremo.
No calor, abafo.
Não me importo:
na casca do ovo,
não adianta espernear -
minha voz é pequena.
Aceito.
Este, o ganho de ser
ovo:
a gente não se rebela.
Contempla.
E é linda
a surpresa das sombras
que brincam
no entorno:
crescem ou diminuem,
abruptas ou suaves,
ficam por um tempo,
depois vão embora.
Na casca do ovo
dá pra ouvir música
evangélica da vizinha,
o chiado do óleo velho
que envolve os bifes,
a menina chamando
o cão: "Lupi! Lupi!".
A vida também
explode
pra quem tá
na casca do ovo.
Pra quem espera
parado
o seu dia de sair,
de romper em Clara
e Gema,
virar espuma pro omelete,
bolo pro menino.
Não me importo:
quem não é frágil?
Ermitão no cesto
em forma de galinha,
cinco palavras pra minha elegia:
"Psiu. Eu curti à beça!".
Tela: Vieja friendo huevos (c.1618), Diego Rodríguez de Silva y Velázquez |