Tela: Still Life Brass and Glass (1888), William Merritt Chase |
O tempo
é uma grande jarra
cheia de suco
na qual Deus esbarrou
e não cansa
de derramar.
Em poções caudalosas
e vermelhas,
o suco de tempo
cai da jarra e da mesa,
levando em litros
(sem volta)
frações de vida. Momentos.
Vão embora
os fios escuros,
de que me disseram
ao nascer: "castanhos".
Vão embora
a pele sem manchas,
o rosto sem linhas,
orelhas e nariz
pequenos.
Ficam os brancos,
as sardas,
as dobras.
E um mundaréu
de lembranças
que me entram
pela porta.
O suco escorre
e dispõe
um fardo pesado.
Que vem num saco
cru de batatas
sem alça, corda,
sem nada.
Tem volume
e presença:
ocupa o presente
e existirá no futuro.
Sim: quanto mais
suco se derrama
mais passado
se acumula no saco cru
de toda gente.
Resta mirar
triste a jarra e
sorver o vermelho
ao som do tic-tac.
Aceitar (lambuzada
de cremes)
a cotovelada de Deus
e aguardar (agarrada
a Sua saia)
o fim da linha. Pra mim.
Tela: Breakfast Table with Blackberry Pie (1631), Willem Clasz Heda |