2 de dezembro de 2024

Para ser reconhecido por Deus

Foto de George Hodan

Recentemente conversei com o funcionário de um estabelecimento via WhatsApp e notei que ele posicionou a câmera pra filmar suas dezenas de medalhas na parede (devia ser maratonista). Dias depois, entrei no Instagram de uma médica, que lançava um livro, e me deparei com outras dezenas de medalhas, que ela mesma exibia penduradas no pescoço, em várias fotos. Isso contrastou com o trecho de uma obra que acabei de ler, do frade Timothy Radcliffe, no qual ele conta sobre uma viagem ao Amazonas, onde conheceu um religioso sem medalha. Sem reconhecimento. Praticamente invisível.

"Sua paróquia abrange milhares de quilômetros quadrados de floresta. O único jeito de viajar por ela é de canoa ou a pé. Ele passa a maior parte do ano visitando distantes aldeias de indígenas, de cuja existência nenhum outro branco tem conhecimento. Ele é inteligente e educado e poderia ter feito um nome para si. Sua vocação é desaparecer, compartilhar a invisibilidade dessas pessoas que ele ama e das quais desconhecemos os nomes; ele é um sinal de que esses indígenas são visíveis aos olhos de Deus e estão gravados nas palmas das mãos de Deus", reflete Timothy Radcliffe.

A parábola dos talentos, no Evangelho Segundo Mateus, fala do dinheiro que um homem confiou a três servos. Os que receberam mais - cinco e dois talentos, respectivamente - dobraram as quantias. O que recebeu um só talento devolveu-o a seu senhor sem multiplicá-lo. Os dois primeiros foram recompensados. O terceiro, qualificado de "inútil", foi atirado fora na escuridão, onde "haverá choro e ranger de dentes".

Essa parábola pode ser uma metáfora do dom que recebemos de Deus. Não, bens materiais, e sim nossa vocação.

O que fazemos com ela? O que fazemos com nosso dom pra pintura, a culinária, os negócios, a medicina, os esportes? Ganhamos bastante dinheiro, prêmios, troféus? Seria tudo isso sinal de que estamos "no caminho certo", fazendo bom uso da nossa vocação? Não é por acaso que, logo após a parábola dos talentos, venha uma passagem sobre julgamento. Há de vir o dia em que o Filho do Homem separará uns dos outros: parte à Sua direita, chamando-os de benditos e herdeiros do Reino, e parte à Sua esquerda, designando-os de malditos e destinados ao fogo eterno. Qual teria sido o critério de distinção entre eles?

De acordo com Jesus, quem ficou à direita, os justos, havia dado comida ao faminto, algo pra beber ao sedento, tinha ainda acolhido o estrangeiro, vestido o nu e visitado o doente e o encarcerado. Ou seja: havia servido a quem o Filho do Homem chamou de "meus irmãos mais pequeninos". Quem ficou à esquerda, ao contrário, não fez nada disso. Essa passagem bíblica esclarece a anterior, pontuando que os talentos - lê-se: dom, vocação - que recebemos devem estar a serviço não da nossa autoafirmação, mas Do Próximo. Isso é o que nos torna visíveis e laureados por Deus.

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Atribuição: Ana Paula Camargo (acatolica.blogspot.com).
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