16 de agosto de 2025

Laudemir Fernandes, o benquisto

Tela: A Adoração dos Pastores (entre 1650 e 1700) -
Autor Desconhecido

Um programa de televisão exibiu, décadas atrás, uma matéria sobre a invisibilidade urbana. Tratava-se da constatação de um pesquisador (ou pesquisadora?) de que as pessoas que trabalham uniformizadas - como o pessoal da limpeza - são invisíveis para os demais. Ou seja: há quem passe por elas sem cumprimentar, sem dizer "Bom Dia". É como se não existissem.

Na Palestina do século I, onde e quando Jesus viveu, havia um fenômeno semelhante. Só que os invisíveis, ou seja, aqueles que eram ou deviam ser ignorados, não vestiam uniformes. Eram simplesmente os "impuros". Nessa categoria, cabiam alguns profissionais, como os pastores; os doentes, como os leprosos; e as mulheres sob certas condições, como estarem menstruadas. Essa gente "impura" tinha de ficar à margem, longe das vistas.

Na manhã da última segunda-feira, dia 11 de agosto, o gari Laudemir de Souza Fernandes, o Lau, estava uniformizado. E ele ousou ficar visível. Ousou sair da margem do olhar do empresário Renê da Silva Nogueira Júnior e vir para o centro.

Integrando uma equipe de limpeza que recolhia os lixos nas ruas do bairro Vista Alegre, na cidade de Belo Horizonte, Lau saiu em defesa da motorista do caminhão que recebia a coleta, Eledias Aparecida Rodrigues, que fora ameaçada de levar um tiro pelo empresário. Renê Júnior, que vinha na direção contrária, concluiu que o caminhão de lixo atrapalhava a passagem de seu carro elétrico. Ele desceu do veículo armado e, apesar dos apelos dos trabalhadores - "Vai matar a gente trabalhando?" -, atirou e atingiu as costelas de Laudemir Fernandes, que morreu devido a uma hemorragia interna.

Renê Júnior não tolerou a visão daqueles garis. Não tolerou que eles se rebelassem contra "a ordem das coisas", saíssem das margens e se interpusessem no seu destino. Com o tiro, o empresário quis eliminar - melhor: invisibilizar - Laudemir Fernandes, colocá-lo novamente no que acreditava ser o seu devido lugar: o plano dos invisíveis, o da não existência.

Porém, não estamos mais no século I, quando profissionais como os pastores eram tratados com desprezo. Uns dizem que por lidarem com animais que podiam estar feridos; outros, por serem "desonestos" ou "trapaceiros", o certo é que, no tempo de Jesus, pastores não eram benquistos. E, ironia das ironias, foi justamente para eles que os anjos em coro anunciaram, em primeiro lugar, o nascimento do Menino que mudaria a história do mundo.

A propósito, foi nas margens que Nosso Senhor circulou. Jesus Cristo fez questão de enxergar aqueles que não deviam ser vistos. Passou Sua vida dando-lhes atenção, tocando-os, deixando-Se tocar por eles. Curando-os. Ele deu o exemplo. Nem Laudemir nem ninguém devem ser invisíveis. Seus colegas de trabalho não deixaram; as polícias Militar e Civil de Minas Gerais não deixaram, investigando a tragédia; nós também não devemos deixar. Todos temos o direito de ser notados. De ser benquistos.

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Atribuição: Ana Paula Camargo (acatolica.blogspot.com).
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