31 de julho de 2019

Psicologia

Tela: Heimkehr im Abendrot (1844), Ignaz Raffalt

Porque o Sol faz alarde
da iminência do ocaso
(reduz a intensidade
à tardinha, dando azo)
é que toda a Paisagem
fica firme, sem abalos
ante o escuro - mais tarde.


Singeleza

Tela: A view of Vesuvius from Posillipo, Naples
(1788-90), Joseph Wright of Derby

Criaturas lidam com atavios
apenas para serem notadas -
mas a cândida Lua no cimo
sem ter mais do que ser muito clara
(contra um fundo que é quase sombrio)
acaba por ficar afamada
se impondo sobre mares e rios
não sendo jamais ignorada.


30 de julho de 2019

Fluxos

Imagem: Shinano Province: The Moon Reflected in
the Sarashina Paddy-fields Mount Kyōdai

(1853), Hiroshige

Pra que serve o desvario
de bater os pés no chão?
Os reveses, repentinos,
tomam todos pela mão
feito a corrente do rio
que o luar, sem opção,
vê a si mesmo seguindo
- enleado à situação.


29 de julho de 2019

Sobre a beleza

Foto de Challiyan

Enfeitar é toda a ocupação
dessa flor no jardim - em botão.
Tão singela é a sua feição,
que pra uns soa como agressão.


Desinteresseira

Tela: Mondnacht (after 1865), Louis Douzette

Não importa quantos cristais
o Astro-rei oferta à Lagoa:
na superfície a satisfaz,
mas no fundo ela se afeiçoa
pela candura de um rapaz
que lá pela noitinha pousa...


28 de julho de 2019

Pragmática

Foto de Braboowi

Por uma lida misteriosa
dentro de um broto se forja
o que será assaltado (numa hora)
por uma abelha que ignora
ou dá de ombros (por ora)
às alquimias da flora
pois, pra ela, o que importa
é levar o que pode à sua senhora.


26 de julho de 2019

Às vistas

Tela: Nächtliche Küstenlandschaft mit Fischern (1890),
Andreas Achenbach

Sendo transparente, não tem a manha
de ocultar por quem ele se derrama.
Assim a lua altiva bota banca
por ter o mar na mão - mesmo a distância.


A Filha Pródiga

Tela: Mühle im Mondschein, Adolf Chwala (1836-1900)

Vinda de não se sabe que bandas,
eis que volta com seu vulto claro.
Sem ligar pra onde a Lua anda,
o Rio a acolhe num abraço largo.


25 de julho de 2019

Insolência

Foto de Brad Scruse

Por pequenina que a abelha seja
desconhece o que é ser comedida.
Não importa, da flor, a grandeza:
leva o que pode - não se intimida.


24 de julho de 2019

De dia

Tela: The Cliff, Étretat, Sunset (1883), Claude Monet

Com passadas portentosas
a Luz cruza o firmamento
mas por saber que uma hora
não terá acolhimento
é que ela vai embora
à tardinha, se encolhendo.


Ciclo

Tela: Twilight (1867), Sanford Robinson Gifford

Como uma matrona lânguida
que assume a própria sorte,
a paisagem acolhe a luz infante
que nasceu há pouco no horizonte.

Com os braços cheios de ânsia
ela embala doravante
uma criança de gênio forte,
que se esquenta com quem vê defronte.

Porém passa, toda infância
(tudo evolui num instante)
e assim se emancipa, nos conformes,
quem à noite esfria e vai pra longe.


23 de julho de 2019

Galardões

Tela: Early Morning - The Fisherman's Home,
Francis Danby (1793-1861)

A impaciência nada abrevia:
a glória, para todos, tem um custo.

Só depois de uma escuridão comprida
é que a luz, enfim, vê o seu triunfo.


21 de julho de 2019

Lição

Tela: The Sea (1892), Ludwik de Laveaux

Com passadas lentas, mas seguras
sempre altivo, mesmo obediente -
o Sol mostra assim às criaturas
como lida com o ocaso iminente.


20 de julho de 2019

Inclinações

Tela: Skystudie (Månen bak skyene)
(The Moon behind Clouds)
- 1839 - Johan Christian Dahl

De natureza dócil, singela
a Lua, nuvens mostram ou velam -
e a noite segue... Não depende dela.

Já a estirpe do Sol, nada verga:
mesmo com a abóbada encoberta,
faz o dia ser dia - é coisa certa.


19 de julho de 2019

As perspectivas

Tela: Dresden i aftenbelysning
(The Elbe in the Evening)
- 1832 - Johan Christian Dahl

Lá das alturas, quão lânguida
deve soar a paisagem!
Mas reduzindo as distâncias
é que se aumentam os contrastes
e convulsões tão tamanhas
são reveladas nas faces!


O apresto

Tela: L'Aurore (1884), Jules Joseph Lefebvre

O ar diáfano da Aurora
esconde que a noite inteira
se empenhou laboriosa
em enrolar a manta espessa
que toma o céu de fora a fora
pra Manhã que, em ponto, chega.


18 de julho de 2019

Ressurreições

Tela: Ostermorgen (Easter Morning)
- 1828-35 - Caspar David Friedrich

Pudera de cada um de seus ocasos
os seres se recomporem como antes -
qual a Estrela que dá o último passo
mas retorna na aurora triunfante.


17 de julho de 2019

Descontentamentos

Foto de Commander John Bortniak, NOAA Corps (ret.)

Na natureza, há contrariedades
mal-escondidas nas formalidades:
às vezes parece que é sem vontade
(devido à cor forte, fazendo alarde)
que o Sol se oculta no final da tarde.


Reinado

Tela: Morning (1878), George Inness

Sem ligar para audiência parca
que vê sua suntuosa entrada
tendo, de batedor, a Alvorada
a Manhã se coloca entronada.


16 de julho de 2019

Sedutora

Tela: Rivier en molen in maneschijn
(River and Mill in the Moon Light)
- 1850 - Jacob Abels

Da tenacidade, me fala o rio
que noites inteiras suporta
a lua se insinuando no cimo
e, sem se jogar, indo embora.


Alvor

Tela: The Andes of Ecuador (c. 1855),
Frederic Edwin Church

Não importa a longevidade
com que elas se interagem:
ante a Aurora, ganha a Paisagem
sempre um quê de ingenuidade.


Majestades

Tela: Kveld ved sjøen (1909), Amaldus Nielsen

Que espetáculo promissor
concede a prepotência alheia:
à frente, a imponência do Alvor
se curva à Noitinha que chega.


11 de julho de 2019

Recado

Tela: The Mill (1645-48), Rembrandt

Carrega sempre um quê de absurdo
dizer: "Escureceu de repente!";
se a Luz avisa com o lusco-fusco
que já, já se separa da gente.


10 de julho de 2019

Palpite

Tela: Twilight, Venice (1908), Claude Monet

A tristeza que paira nos crepúsculos
leva toda uma Paisagem a crer
que se pudesse vencer seus escrúpulos
a Luz diria a si mesma: "Volver!".


Gratuidade

Imagem: Chrysantemums and a honey bee (1829-33),
Katsushika Hokusai

Passou direto por uma flor
a abelha desocupada
e à brisa fresca justificou
sua atitude inesperada:
o que se oferta sem um pudor
merece ser considerada?


9 de julho de 2019

Implacável

Tela: Sunset (1875-80), Edward Mitchell Bannister

Por se arrastar, se sentencia
que não está nada contente
o que, sem escolha, caminha
pro cadafalso do poente.


8 de julho de 2019

O logro

Tela: Open Landscape at Sunset (1894),
Remigius Adrianus Haanen

O discurso de despedida
da Luz, apesar de eloquente,
tão escassa melancolia
produz naqueles que pressentem
que o pôr do sol é um sofisma -
pois amanhã retorna às gentes.


7 de julho de 2019

Inevitável

Tela: Coucher de soleil (Sunset)
- 1913 - Félix Vallotton

A generosa acolhida
nem sempre é suficiente
pra impedir a partida
de quem já tinha em mente
a hora da despedida -
tal qual a Luz, no poente.


6 de julho de 2019

Corpo e Alma

Imagem: The natural history of cage birds (1888)
- Autor: Johann Matthäus Bechstein

A cantoria acanhada
- assim que pesa a idade -
uma noção acertada,
mostra sem meias verdades.

Pois a ave está encerrada
(já que são firmes as grades)
do voo alto, vetada -
até quando? Não se sabe.


Ao pôr do sol

Foto de Commander John Bortniak, NOAA Corps (ret.)

Por que existe quem conclua
que a Luz parte bem tranquila
se ela fica toda rubra
com tudo pra estar aflita?


5 de julho de 2019

Arisca

Foto de Jessie Eastland

Há um tocante espetáculo
que todo dia acontece:
é quando após seu pináculo
a Luz, então, se despede
e ao finalzinho do ato
o Céu, que altivo, não cede
tenta domar pelos raios
quem já rumou para o Oeste.


Ao poente

Foto de Stéphanie De Nadaï

Por mais que arraste a partida
sempre à hora do crepúsculo
pintando o céu de ametista
(num derradeiro impulso)
o inevitável em seguida
chega se impondo, com tudo:
parte do mundo à deriva
e tateando no escuro.


4 de julho de 2019

Superstar

Foto de Apocalyptiq

Todo arrebol sinaliza
que ao chegar ao horizonte
com uma cor excessiva
a discrição passa longe
de uma Estrela de saída.


3 de julho de 2019

O itinerário

Tela: Закат солнца (Sunset)
- 1880s - Nikolay Yaroshenko

Por muitas eras a fio
sem se acelerar na via
nem se perder num desvio,
o Sol faz a travessia.

O que a ciência adivinha
ao leigo é bem-conhecido:
quem à prática se fia
nunca erra de caminho.


2 de julho de 2019

Ressentido

Tela: Sunset Sky - Autor: Unknown -
Fonte: Yale Center for British Art

Há uma certa mágoa na tardinha:
o Céu não disfarça o desagrado.
Na falta de cor do fim do dia
revela que não está empenhado,
quem mais cedo azulou sem medida
pra Luz partir sem olhar pros lados!