Paraíba

Imagem: Dawn at Isawa in Kai Province (circa 1830), Katsushika Hokusai

Existe uma hora suspensa
entre o clarão ainda frouxo
e o breu que mal se aguenta,

a que põe fim só o esforço
de uma Manhã que fomenta
- e firma - o dia de novo!

Vanidad

Tela: By the light of candle - second half of 18th century -
Martin Ferdinand Quadal

Quem se ufana
não tem força:
haja vista
que um sopro
- assim fraco,
meia-boca -
num segundo
e ante todos
faz a chama
(sempre altiva)
perder espaço
para o escuro!

Vocação

Tela: The Window Blind (1921), Joseph DeCamp

Todo astro espera, ao erguerem o pano,
olhar, de sua altura, o mundo aclamando.
O Sol - que essa regra ignora há anos -
prossegue atuando nos meridianos
alheio às cortinas que vão se fechando!

Firmamento

Tela: Moonrise, George Fuller (1822-1884)

No finalzinho do dia,
com a luz menos agressiva
cá embaixo, corre a vista
até vencê-lo, a preguiça.

Esquece então a vigília
e pra que o breu nos revista
o lusco-fusco, em seguida,
na rotação se desliga.

O Barítono

Tela: The Shepherdess of Rolleboise (1896),
Daniel Ridgway Knight

A plateia, quando esfria,
dá margem para o indício
de que as notas da cantiga
se à mata, deram fascínio,
com a batuta da rotina
vertem-se em rumor de rio.

Presas

Foto de Tom Burke from Morgan Hill, CA, USA

Por que te assanhas com mesuras
de quem não conheces direito?
Pode bem ser uma arapuca
armada pra causar efeito.

No meio da tua penúria,
invista no excesso de zelo:
o inseto vê depois que pula
na rede, o grande estrago feito.

Certinho

Imagem: Sunset on Lake Champlain and the Adirodacks
- Autor: Samir Sammoun

Para P. L.

É comum o momento em que o sol hesita
e estica os raios (seus braços aflitos),
esperando que os agarre alguma vista...

Mas, por ter no outro lado mais serviço,
ele se recompõe na rota prevista
no gozo tão só do dever cumprido -
não obstante o tédio que isso implica.

Nosso lar

Tela: The little bright house - Landscape (1915-16),
Amadeo de Souza-Cardoso

A casa da Certeza é rústica:
tá no reboco, sem pintura
nem espaço pra coisas dúbias.
Das paredes, a espessura
é tanta, que nada as derruba.

Bem diverso é o lar da Dúvida
com sua sutil urdidura,
onde o entra e o sai se misturam
e mesmo a decoração muda
conforme os humores da cuca.

Colocados defronte as duas,
tantos irão chamar de "Sua"
aquela morada segunda
embora muitas vezes durmam
- ante a sua frágil estrutura -
de noite, com frio, na rua!

A expert

Imagem: Insects watercolours, ca. 1790s
(Autor desconhecido)

A águia imponente lá nas alturas
contra as intempéries, em franca luta,
deve se achar uma grande figura.

Mas frente à lagarta é tão diminuta...

De rastos no chão, cruzando uma rua
sujeita a pisão e outras agruras
nada a detém: o momento, desfruta.

A lagarta é que entende de aventura!

Cheia

Tela: La barque (1887), Claude Monet

Quem à tona é submissa
quando se fecha, o clima
mostra toda a rebeldia
que, no fundo, imergia:
as margens que a reprimiam,
excede - perdendo a linha.

A escusa

Tela: En attente de la flotte de pêche de revenir
(Waiting for the fishing fleet to return)
- circa 1900 - Georges Philibert Charles Maroniez

O benefício da dúvida acena
ao altivo que em atitude extrema
partiu de pronto - sem pedir licença.

Talvez o sol não saísse de cena
se soubesse (no clarão da vidência)
que a escuridão que deixou é imensa!...

Cristã

Imagem: Peasant Woman Planting Potatoes (1885), Vincent van Gogh

Fofa ou seca, nunca é senhora:
o que produz, a outros devota.
Qualquer posse ser provisória
é máxima que a terra incorpora.

Enamorada

Imagem: Moon, deer, Miyajima (circa 1910) by Ohara Koson

É chegar a manhã...
... Pra partir contrariada

Quem questiona "O que falta?"...
... Para ser agarrada;

Porque o rio é amante,...
... Mas não move uma palha

E caidinha, na dele,...
... Toda madrugada

Alto sonha (embora esconda...
... Na face tão pálida)

Que oxalá, numa noite,...
... Fique toda corada!

Poentes

Tela: Coucher de soleil sur la plage de Villeville (1874),
Charles-François d'Aubigny

Existem suplícios voluntários:
a luz mesma, perante os olhares,
faz todo um trajeto até o seu;

enquanto alguém, em outro cenário,
mais discreto na sua vontade,
entende-se com seu próprio adeus.

A exceção

Imagem: Road into the Valley - Moonrise (1904-06), Edward Steichen

Num tecido que se estica,
a cor outra coisa vira:
fica assim indefinida
mais clara, a toda vista.

A não ser pela Tardinha:
puxam sua trama fina
às raias do fim do dia
e escuridão é que fica!

Cocotes

Foto: La Villette, rue Asselin, fille publique
faisant le quart devant sa porte
(1921) - Autor: Eugène Atget

Perfumada, com cor, estilo
e tão doce na sua sina...
Mesmo que sozinha e no frio!

É uma baita lição de fibra
(ali, perto do meio-fio)
dada pela flor com mestria.

Sobre a fidelidade

Foto: John Vernou Bouvier III (1891-1957).
Holding hands with another woman, not Janet Bouvier,
the one with a hat on - Fonte: Pinterest.com

Quase sempre uma fonte de carinho
está com a cabeça em outro lugar...

... Pra lua, seguir firme sobre o rio
não impede que se entenda com o mar.

Conteúdo

Tela: Studie av skyer over flatt landskap med treklynge
(Cloud Study over flat Landscape)
- 1837 - Johan Christian Dahl

Ao contrário do que se pensa
despojar-se é uma carga imensa
e tantos insistem em encarar.

O balão, de tão leve, pena:
diante de quem o contempla
às vezes se perde... No ar.

Daí é que as nuvens sustentam
que apenas as almas mais densas
conseguem, por cima, pairar.

Os atletas

Tela: The Runners (1924-25), Robert Delaunay

Num jardim todo propício
com sol e água de sobra
segue bastante preciso
o tempo do broto, embora.

Tem algo pontualíssimo
chamado Época Própria.

Se os seres intuem isso
então, ó Nossa Senhora,
de que adianta (aos aflitos)
competir tanto com as horas?

Mas...

Tela: A Calm Afternoon, Long Island (1876), Henry Farrer

A tarde se prepara com desvelo de moça
pro tempinho que passa com as vistas todas.

Um doce balanço, detém como poucas -
que o diga os velhinhos nas calçadas à toa:

se ante a luz da manhã, parece mais fosca;
grave assim, qual a noite, a tarde não soa.

Tão agradável, mas uns não se afeiçoam!
De sua altura, num dia, ouviu numa boa

a queixa cruel de uma certa pessoa
pra quem o meio-termo a deixa insossa...

As recordações

Imagem: Night rain at Yoshiwara (1825), Keisai Eisen

Quem tem lembrança persistente
queria tanto que passasse:
ela se impõe à nossa frente
com a mesma cara de paisagem!

Mudar um quadro resistente
exige força de vontade.
Mas uns esperam, pacientes,
vir das alturas um milagre...

... Imaginando, de repente,
chegar ao fim a estiagem
pois acreditam piamente
que apenas a enxurrada baste

para arrastar logo e pra sempre
o que os deixa no impasse
de lamentar o que está ausente,
em vez de buscar novos ares!

Apontamento

Tela: Le pauvre Lazare à la porte du riche
(The Poor Lazarus at the Rich Man's Door)
- between 1886 and 1894 - James Tissot

Se a luz é precisa no corte
(a cada estrato, o traço forte),
a escuridão nivela as sortes
na cor carregada da morte.

Testemunhas

Tela: Sunset (1906), Julius Paulsen

É ante as vistas no crepúsculo, o ápice
do que bem cedo acendeu duas partes
e vai terminar no escuro, mais tarde:
o flerte entre o horizonte e a claridade.

A gênese

Tela: The Farewell (1871), James Tissot

Não é a torto e a direito
nem no calor de uma hora
que o Adeus entre 2 se ergue.

Resume-se a gesto feito
por cima de bases sólidas
pois, ao contrário, ele cede.

Elaborado com jeito
segundo moldes da lógica
- que a emoção desconhece -

até que ante os sujeitos
e tênue aos olhos, embora
o Adeus, com peso, acontece.

Foro íntimo

Tela: Pot pourri (1897), Herbert James Draper

A rosa tem seus segredos
mas é inútil contê-los
pois, com jeitinho, o tempo
vai constranger a cedê-los.

Queria a rosa, ao rebento,
anteceder com o conselho
de redobrar o desvelo
que abrir-se tem alto preço!

Expor o que leva dentro
tem conhecido desfecho:
aquilo que era inteiro,
pegam e dividem a esmo.

Correntes

Tela: Genfersee von Caux aus (1917), Ferdinand Hodler

O que convém taxar de descaso
por desapego será chamado,
porque tudo "precisa fluir".

Mas considera-se (em todo o caso)
que alguma coisa falta ao regato
pra nascente deixá-lo partir.

Posto que as margens retêm o lago
- no seu abraço bem-apertado -
isso sim, não seria curtir?